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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Poema: "Engulhos", de Erivelto Reis

Engulhos

Erivelto Reis

 

É gosmento o argumento dos hipócritas

São de pus as certezas do demagogo...

Tudo que eles falam talha,

Tudo o que fazem, jogo.

É metastática a sordidez dos canalhas

E seus ecrãs espelham suas taras.

Andam na rua,

Sempre à procura de defeitos

Que sirvam de álibis distrativos

Aos seus malfeitos...

São de carne morta a língua

E os ardis com que proferem certas frases...

É como úlcera, refluxo gástrico de monólogos

No palco do teatro de sua polidez de farsas.

Banem, discriminam... sequer suam,

Apertam a mão, enquanto rotulam,

Abraçam e mantêm perto pra punir.

Reagem, sorrateiros, emulando emoções

Qual malabares.

Não revelam a expressão real

De seus intentos mais profundos

São de pedra, incontornáveis desvalores,

Vomitam aspergindo seus engulhos.

 

domingo, 14 de abril de 2024

Poema: "Babilônia", de Erivelto Reis

Babilônia

Erivelto Reis
Tardiamente cheguei à Babilônia.
Ali todas as linguagens
Apontavam para uma
Possibilidade de futuro.
Esfregando, ruidosas,
O passado em todas as caras.
Estranho pensar como
O mesmo valor: a linguagem
Liberta a alguns e aprisiona outros.
Ar, espaço e sepulcro,
Correntes e asas.
O mesmo valor (sem valor)
O mesmo ouro de tolo.
Ação humana sobre a natureza,
Ação humana sobre a consciência,
A estética e a onipresença...
A mesma espada sagrando cavalheiros
E erigindo estátuas aos bárbaros,
Ou criando símbolos
Para rotular os bonequinhos
Dos lavabos...
Vício para os artistas,
Ruína e auge para os astros,
Prisioneira dos discursos dos tiranos.
Tardiamente cheguei a Babilônia,
Cenário devastado,
Império atacado por canalhas...
Escombro em ascensão constante,
Onde a linguagem dominava o mundo
E o mundo já não se bastava.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Poema: "Sabujo", poema de Erivelto Reis

 

Sabujo

Erivelto Reis

 

Pelego

Que vende como eficiência

A sua pouca sapiência da disciplina

Que deveria ensinar e não ensina

Disfarçada na sua capacidade

De dissimulação e dissonância laboral

Que alardeia como símbolo de sua inteligência emocional.

Pelego

Que romantiza, com pitadas de humor infantil,

(Fingindo revelar um macete, contar um segredo)

A precarização salarial,

As péssimas condições de trabalho e o assédio moral

A que são submetidos os pelegos e os antipelegos

E sua falta de responsabilidade profissional

Em contos autorais em que este se destaca

E se autoproclama entre os maiorais.

Pelego

Que açula contra os bons profissionais

A sua horda de bajuladores mais boçais

E faz as lições pra eles, e lhes dá dicas valiosas

Que pretendem que comprovem quanto é mau

O desavisado desafeto de que espera se livrar

Emprestando trabalhos,

Interferindo e desvirtuando os procedimentos avaliativos

Assinalando as respostas nos livros e pdfs que fazem com

Que paspalhos antiéticos se passem por ultrajados cdfs.

Pelego

De olhar terno e fala suave

Que orientou demissões, que articulou gravações

Ilegais de seus colegas

E alardeia vitórias sem batalhas

Ombreado à súcia de covardes e canalhas

Alimenta-se das migalhas que lhe atiram os patrões

E dos aplausos de incautos e mandriões.

Pelego

No silêncio de sua consciência

No deserto de sua ética

Passa dia e noite, sem intervalo

E com a logomarca de seus patrocinadores,

A mesma novela patética.

Pelego: títere da própria queda.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Poema: "Silenciosa anatomia do descarte", de Erivelto Reis

Silenciosa anatomia do descarte

Erivelto Reis

 

Com essa areia você construirá seu castelo:

O dia seguinte sem você

Não será o ocaso do mundo.

No seu trabalho (se ainda houver trabalho), na sua rua

Um perfume de passado

Vai desfilar no ar.

Os poucos que amarão você

Irão se aproximar do precipício

E em silêncio ouvirão

Sua voz num eco

Proveniente do luto

Da impotência.

Diante do desastre

Há quem desista,

Ou produza alguma obra de arte...

Mas o que o prolifera mesmo,

Em quase toda parte,

Silenciosa anatomia do descarte,

São caixas cheias do que eram bens

Inestimáveis apenas pra você,

Remorsos inescrutáveis,

Que virão à tona como um refluxo ácido

Saindo das profundezas do estômago

De sua alma.

Os traumas que você houver causado

Se tornarão o vômito das memórias recuperadas

Ou cinematograficamente inventadas,

Numa coreografia de adeus apressado.

Um porteiro, a balconista da padaria

Vão pensar: “ué, faz dias que não o vejo”

Até concluir dizendo com enlevo:

“Coitado... tão novo (mesmo sem ser verdade),

ao menos descansou,

Que deus (se ainda houver deus) o tenha em bom lugar”.

No mais, o de sempre: fluidos corporais, gente infeliz,

Algodão no nariz, vísceras, saudades

E outras bactérias que devoram o corpo.

Com essa areia você construirá seu castelo!

Eu explicaria isso ao meu neto,

(Única criatura da qual eu não seria arquiteto)

Única travessia da qual eu não veria o final do trajeto,

Deixaria escrito num poema,

Escondido na moldura de um quadro

Ou num cofre de mim mesmo:

Como um código de um diálogo para sempre indecifrado.


domingo, 17 de março de 2024

Poema: "Nulo", de Erivelto Reis


Nulo

Erivelto Reis

Escrever um poema, trocar o tempo pouco

Que suponho que me reste,

A  juventude lasciva das paixões e das palavras,

O fogo das ideias e dos ideais de revolução

Por um poema, um verso bom apenas...

Que sobreviva e que force a arqueologia,

A procura de meus restos e rascunhos.

Para que no futuro, no apagamento eterno

Da materialidade de qualquer

Circunstância ou referência

Que me acorde do fundo de meu sono sepulcral,

Eu não precise lidar

Com o mundo que eu pensava que era meu,

Com um presente que eu tive e não me deram,

Com uma memória, Cérbero, às portas do inferno

De qualquer sentido literal ou metafórico

De algo que eu não criei

E que ao me lerem, me atribuam.

Escrever para não ser

Um poeta descoberto como um fóssil

Ou ter as palavras derretidas pelo magma:

Síntese, cinzas, sintagma.



domingo, 10 de março de 2024

Poema: "Mauro Lopes de Azevedo, presente", de Erivelto Reis

Mauro Lopes de Azevedo, presente

Erivelto Reis

Sendo muito claro:

Esse mundo fica chato, fica pior

Sem o Mauro Azevedo,

Que se vai muito cedo

Ante a quantidade de desafios,

Fios desencapados,

Agiotas do labor alheio

E farsantes que teremos

Que destronar.

Mauro era elegante, militante,

Um amigo como poucos:

Presente, intenso e honesto

No sentir, no saber

E na humildade acolhedora

De não-saber pra construir junto.

Batalhador e afetuoso,

Amado por seus amigos

E alunos,

Instigante e inspirador,

Respeitado por seus mestres.

Mauro era desse jeito:

Alegre e determinado.

Sua história de encarar

A vida sem medo

Será um grande legado,

Seria um lindo chorinho,

Um rock da Legião ou

Belo samba-enredo.

Não temos mais o tempo que passou,

Mas sempre existe um caminho.

Se fosse só sentir saudade,

Mas tem sempre algo mais.

Olha só o que eu achei...

Mauro permanecerá presente.

Seu exemplo permanecerá.

 


Poema: "Continho da Chamada", de Erivelto Reis

 

Continho da Chamada

Erivelto Reis


Etarista da Silva

Machista de Souza

Racista dos Santos

Sobrevivente do Nascimento

Desrespeitoso Alves

Agressor de Lima

Agredido Lins

Silenciada de Castro

Intimidada Marques

Misógino Jr.

Violento de Andrade

Discriminado Mendes

Sonhadora Esperança

Insegura de Alencar

Extremista Filho

Crítica Hostil de Maia

Presentes!!!

Hoje vieram todos.

Empatia Alegre

Amorosa Cristina

Talentoso Sotero

Confiante Pimentel

Criativo Vieira

Amizade de Almeida

Companheira de Todos

Idealista Rodrigues.

Faltaram...

Muitas vezes faltam.

E há lugares onde nem vão.

Fica o vão.

O óbvio vão.  

A lacuna, a imprecisão.

De trabalhar muito e demais

Por pouco, muito pouco pão.